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[dropcap] O [/dropcap] cenário político atual do segundo turno parece ser muito parecido com os das eleições de anos anteriores, com uma polarização explícita entre dois partidos disputando democraticamente a posição de poder máximo do país. Porém, esta é uma visão superficial da realidade. O que está em jogo é muito mais que um cargo de Presidência da República: é a legitimação da violência. O grande problema é que a maioria dos eleitores de Bolsonaro não entende o significado da palavra legitimar, ou seja, autorizar legalmente uma ação. Pior ainda quando se fala que ele se torna um símbolo, porque a conexão do simbólico ao ato demanda várias habilidades de abstração que dependem de experiência biopsicossocial. Sem essa experiência, emergem pensamentos pouco complexos e, assim, é possível observar alguns perfis comuns entre os eleitores. Abaixo apresentaremos uma breve análise dos perfis e o que falta nos mesmos para que pudessem alcançar uma leitura mais refinada da realidade.

Alguns perfis dos eleitores:

Os Anti-PT

Esses eleitores vivem na alucinação de que o PT vai transformar o Brasil numa Venezuela, URSS, Cuba, em um comunismo desenfreado. Para esses não tem jeito, estão dentro dessa fantasia e ninguém consegue acessá-los. São pessoas que sofreram na pele a devastação de seus empreendimentos e/ou empregos pela recessão econômica e precisam de um bode-expiatório. Quando se acha um culpado, as relações complexas de mundo desaparecem, já que a explicação já está dada. A culpa é, obviamente – e ainda bem! –  total do outro. No nosso caso, do PT. Assim, qualquer programa de governo é melhor que o do PT, porque foi o PT e somente o PT que destruiu todas as esperança da humanidade. Ah, o PT É responsável por todas as crises mundiais também. Muito PT? Pois é, quer bode expiatório melhor que uma palavra de duas letras? A maioria são pessoas com muitos dos privilégios biológicos e sociais da nossa cultura. Importante frisar que privilégios não estão somente na esfera econômica. Assim, uma pessoa pode ser pobre e ter muitos dos privilégios de nossa sociedade, como ser homem, hétero e/ou branco.

Frase típica: “Eu que empreendo e faço a economia girar vou ficar pagando pros outros mamarem na teta do Estado?”

O que falta? Primeiramente, vale lembrar que o PT ficou 12 anos no poder e não tivemos nenhum sinal de implantação de comunismo, portanto, esta identificação básica poderia ser um primeiro passo para uma reflexão mais apurada. Também, por não terem sofrido a dor das minorias, falta a empatia social. Eles simplesmente não conseguem empatizar porque não sofrem dos medos da violência, simbólica ou física, que esses grupos tem que conviver diariamente. Simples assim. E como não fazem a conexão símbolo-ato, o argumento normalmente é: “Se não tiver comida, não vai sobrar nem gay, nem lésbica, nem negro.”, um discurso bem concreto, imediatista e de visão rasa sobre o sofrimento humano. E mesmo havendo lógica neste argumento, o candidato deles não tem o poder de melhorar drasticamente a situação financeira histórica do país. Não existe solução rápida pra nada no Brasil, mas a morte de um LGBT, por exemplo, ocorre num piscar de olhos.

“Tem gente dessas minorias que vota nele, como você explica?”

Pode ter certeza que há um contrabalanço da minoria que esta pessoa faz parte com os privilégios biológicos/culturais que ela possui. A grande falta dos anti-PT (claro, os que conseguem alcançar algum tipo de avaliação e não são totalmente alienados por falta de educação/leitura) é possuir privilégios, não se dar conta deles e sofrer pouco nas mãos do preconceito alheio, para que pudessem desenvolver o olhar para o outro.

A classe baixa

Essa classe sofre muito da falta dos privilégios e são extremamente rebeldes e desacreditados da política. Nestes, a estética rebelde do Bolsomito sobrepõe a ética de seus discursos, ser rebelde e anti-político (é assim que eles enxergam) é o que vale. O jeito agressivo do candidato demonstra sinceridade e honestidade e, deste modo, as besteiras ditas são perdoadas ou mascaradas pela pós-verdade. Esse eleitorado é formado em sua maioria por jovens da periferia.

Frase típica: “Político é tudo corrupto, pelo menos esse fala o que vem na cabeça sem medo de ser criticado por ninguém! É sincero!”

O que falta? Falta mediação para fazê-los perceber que o Bolsonaro e tão político quanto qualquer outro. E falta experienciar muito do mundo político e suas falcatruas. Um outro ponto é que o desejo de ter os privilégios da sociedade pode levar à desvalorização de minorias, porque as minorias são espelhos do que falta para eles mesmos. Acabam virando sombras junguianas. E por fim falta, claro, a percepção de que a violência só gera mais violência e armas só geram mais armas e mais mortes e mais perdas,  e não mais proteção.

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A classe alta jovem

Jovens mergulhados em privilégios, que não sentiram a dor da ditadura militar (e sequer acreditam nela), também desacreditados com a política do PT, ou somente porque ouvem seus pais atacarem o partido (sem entender muito o porquê mais aprofundado, afinal, nem os próprios pais entendem). Intelectualóides, definem-se superiores e esclarecidos (mesmo que não explicitamente) por terem estudado em grandes colégios privados.

Frase típica: “Você precisa estudar História para entender.”

O que falta? Primeiro, em muitos falta informação pura. A informação que chega aos meios de comunicação são extremamente superficiais e esta classe ama um argumento-de-título, sem ler textos na íntegra e selecionar as frases interessantes. Para os que dizem estudar história, a impressão que dá é uma leitura de apenas do lado que os interessa, ou a quem os ensinou.

Os alienados

Estes acreditam em teoria de conspiração. Para eles tudo o que acontece em detrimento do Bolsonaro é FAKE, é artificial, é produção da oposição. Muitos nem viram os vídeos dos discursos endossadores da violência do candidato que tanto circulam pela internet. Provavelmente porque acham que é tudo forjado e sequer dão o PLAY ou clicam no link.

Frase típica: “É tudo FAKE NEWS, ele nunca fez um discurso de ódio, se informem melhor e não caiam na intriga da oposição, pelo amor de Deus.”

Os militares e simpatizantes

A violência é o poder máximo. O exército é incorruptível porque se o exército se corromper, quem sobra?

Frase típica: “A única solução para acabar com a corrupção do país são as forças armadas, e a ditadura nunca aconteceu.”

O que falta? Tratar a violência com violência é a tratar o efeito sem olhar a causa. A violência não existe per si, algo a causa. Falta vontade de achar essa causa, porque a causa pode estar dentro da mesma pessoa que combate o efeito. E perceber-se como causa do problema, é insuportável para muitos.

Os preconceituosos explícitos

Como a própria categoria diz, são assumidamente eugênicos e são esses principalmente os que serão mais legitimados em suas atitudes se tivermos um símbolo como o Bolsonaro no poder. A luta contra a ascensão desse cara é especialmente para que possamos controlar esse tipo de pessoa e evitar mais violência.

Frase típica: 

O que falta? Esses são parecidos com os anti-PT no sentido de que falta empatia. Falta sofrer preconceito para se tornar humilde. Falta estar dentro de uma cultura diversa e aceitá-la, enxergando mais o igual do que o diferente. O período de despertar da empatia, a infância, provavelmente foi negligenciado pelos cuidadores (se tiveram algum) e houve, de alguma forma, uma supervalorização da violência, colocando-a como única maneira hábil de sobreviver no mundo.

 

Os preconceituosos implícitos

Bom, esses escolhem qualquer justificativa para discursar, mas no fundo desejam se tornar os preconceituosos explícitos. Só não o fazem devido a um moralismo, a uma religião, a um superego pesado.

Frase típica: “Eu respeito os gays, mas você dizer que é normal, melhor procurar um médico (ou o pastor, padre, etc..).”

O que falta? Coragem para sobrepor suas punições moralistas e se tornarem os preconceituoso explícitos.

Qual a diferença dos anti-PT para os preconceituosos implícitos/explícitos?

Os anti-PT não são necessariamente preconceituosos,  podendo até mesmo apoiar as minorias. Porém, por falta de empatia, não sentem a magnitude do medo e do sofrimento de ser uma delas e, por isso, colocam a economia acima de qualquer outra coisa. Porque esse sofrimento, o de não ter dinheiro, eles sentem. Então é daí que parte seus axiomas e portanto, suas decisões. Entretanto, essa é uma discussão aberta pois há quem defenda que, ao votar em Bolsonaro, ou seja, ao efetivar uma atitude que vai contra a minoria, já é o suficiente para se tornar um legitimador da violência e, assim, assumir o eu-preconceituoso. Afinal, se achasse realmente um absurdo o espancamento de negros, a agressão contra transsexuais e a diferença de salário das mulheres, não haveria nada que o fizesse votar a favor disso em qualquer nível.

Alguns grupos podem se fundir e tem muitas faltas ainda para serem consideradas. Essas análises são opiniões construídas sobre observações cotidiana e não encerra de jeito nenhum as possibilidades de motivação, mas demonstram grande parte do eleitorado comum. O objetivo é tentar entendê-los para ter amor e tolerância e não para condenar. Para que o coração não se encha do mesmo ódio que tal candidato DESTILA.