“Os homens morrem em desespero, enquanto os espíritos morrem em êxtase.” — Balzac

Felicidade é uma palavra que todos reconhecemos, mas raramente definimos de forma unânime. Ela se traduz de maneiras tão variadas quanto nossas próprias histórias de vida: para alguns, felicidade é contentamento; para outros, é excitação, gratidão, ou até mesmo a sensação de uma vida bem vivida.

Mas, e se fôssemos além da felicidade? E se mergulhássemos no êxtase — aquele estado profundo e indescritível que dissolve as fronteiras do ego e transforma tudo o que acreditávamos saber sobre nós mesmos?


O Que é Êxtase?

O termo “êxtase” vem do grego ekstasis, que significa “estar fora de si”. Não é simplesmente uma emoção intensa; é uma experiência que transcende a mente e o corpo, um estado de fusão com algo maior. Como Einstein descreveu, é a “emoção mística”, o cerne de toda arte, ciência e religião verdadeira.

Em seu ápice, o êxtase nos tira da prisão do ego, dissolvendo as barreiras que nos separam dos outros, da natureza e do Todo. É um estado que pode ser desencadeado por várias experiências: a beleza de uma obra de arte, um momento sublime na natureza, amor, orgasmo, meditação, ou até mesmo o canto de um pássaro.


O Êxtase na Perspectiva Humana

Historicamente, o êxtase tem sido associado ao divino. Culturas ao redor do mundo o interpretaram como possessão, iluminação ou união espiritual. Mas não é necessário seguir um caminho religioso para experimentar esse estado. Ele pode surgir espontaneamente, muitas vezes quando menos esperamos, em momentos de total presença.

Um amigo, ao descrever sua experiência de êxtase, relatou:
“Foi como se toda a minha vida tivesse encontrado propósito em um único instante. Era uma união entre luz, vida e uma profunda paz. Desde então, pequenos momentos cotidianos — o brilho do sol, o som de um pássaro — trazem de volta fragmentos daquela experiência.”

Esse tipo de experiência, muitas vezes, leva a epifanias — realizações súbitas e profundas que reconfiguram nossas prioridades e nos conectam a algo maior do que nós mesmos.


O Ego e a Dissolução da Fronteira

O que nos impede de viver em êxtase com mais frequência? Em grande parte, é o ego. Desde cedo, somos treinados a cultivar e projetar nosso “eu”, a reforçar nossas fronteiras como indivíduos separados. Embora o ego tenha um papel funcional, ele frequentemente nos isola, nos limitando à busca incessante de validação e controle.

Como disse o professor Hélio Couto:
“O ego tem seus interesses particulares e acha que esses interesses não coincidem com o desejo do Todo. Por isso, ele fecha todas as portas.”

A dissolução do ego pode parecer ameaçadora porque desafia a identidade que construímos ao longo da vida. Mas é justamente nesse espaço de “deixar ir” que encontramos a verdadeira liberdade, aquela que nos liberta das pressões culturais e das repetições automáticas que tornam nossa existência monótona e limitada.


A Arte de Deixar Ir

Se o êxtase está associado à dissolução do ego, como podemos cultivá-lo? Não se trata de eliminar o ego, mas de aprender a não se identificar tão rigidamente com ele. Algumas práticas que nos ajudam nesse caminho incluem:

  1. Meditação: Uma ferramenta poderosa para observar o ego sem se apegar a ele.
  2. Arte e música: Experiências estéticas frequentemente nos conectam a algo além de nós mesmos.
  3. Movimento consciente: Danças como as dos dervixes sufis ou práticas de yoga nos levam a estados de presença e transcendência.
  4. Natureza: Estar em contato com o mundo natural pode nos lembrar da interconexão com o Todo.

As crianças, com seus egos ainda pouco formados, parecem viver em um estado de êxtase natural. Elas nos ensinam a simplicidade de estar presentes e maravilhados com o momento. Talvez, o segredo esteja em redescobrir essa pureza perdida.


Epifania e Transformação

O êxtase não é apenas uma experiência fugaz; ele tem o poder de transformar a vida. Como a palavra sânscrita bodhodaya (epifania) sugere, é a “elevação da sabedoria”. Esse estado dissolve o individualismo estreito e abre espaço para uma visão mais ampla e integrada da existência.

Embora possamos não viver constantemente em êxtase, os momentos em que nos permitimos tocá-lo — seja por meio da arte, da meditação ou de um simples suspiro ao sol — podem servir como lembretes de quem realmente somos.


Êxtase: Um Retorno à Sabedoria Primordial

Se o ego é a prisão, o êxtase é a chave. Ele nos liberta das paredes que construímos para nos proteger e nos reconecta à fluidez da vida. É a experiência que nos lembra de que somos mais do que indivíduos isolados; somos partes vibrantes de um Todo maior.

Como as crianças, que vivem com o ego ainda adormecido, podemos encontrar alegria na simplicidade. Talvez, como adultos, o caminho de volta ao êxtase seja uma combinação de desaprender os condicionamentos que nos afastam da vida e reaprender a arte de “deixar ir”.

E, no fim, como disse Balzac, talvez o verdadeiro triunfo não seja simplesmente viver, mas morrer — não em desespero, mas em êxtase.

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