A vida pode ser dividida em duas grandes fases: a primeira quando um adulto pergunta para uma criança o que ela quer ser quando crescer e a segunda quando esta criança, agora adulta, pergunta para uma criança o que ela quer ser quando crescer.
O que você quer ser quando crescer?
Desde pequenos somos atormentados por essa frase aparentemente inocente, mas muito perigosa, pronta para atacar para assim que ousamos pensar seriamente na resposta.
Trazendo a tona minhas recordações de infância, lembro claramente de dizer para minha avó que queria ser arquiteto, desenhava casas e edifícios em folhas de papel A4 e às vezes até ousava desenhar na parede da sala. Recordo também que para minha mãe o discurso era outro, dizia que queria ser um vendedor incrível como ela. Já para meu pai, que queria ser um artista como ele. Para estranhos, desconfiadamente, dizia que não sabia ainda. Para mim mesmo, internamente estava gritando desesperadamente porque não fazia ideia do que fazer da vida.
Naturalmente, o tempo passou e finalmente encontrei uma forma de responder para mim mesmo e para todos e de uma vez por todas essa pergunta:
Entrei na universidade e arranjei um emprego.
Na mão direita porto minha carteira de trabalho, aqui diz que sou aprendiz em um supermercado. Na mão esquerda porto minha carteirinha da faculdade, em 1 biênio, serei um generalista em marketing. Pronto, finalmente posso preencher um perfil no LinkedIn e falar para todos o que sou e o que faço da vida. Quando me perguntarem, vou responder pomposo assim: Sou Pedro, trabalho como aprendiz em um supermercado e graduando em gestão de Marketing.
Tudo estava indo absolutamente bem, a família estava orgulhosa, afinal eu tinha um rumo na vida. Sempre tinha na ponta da língua a resposta para a pergunta: “o que você faz da vida” – mesmo tendo que explicar toda vez, porque não estava trabalhando em minha área.
Infelizmente essa paz mental não durou por muito tempo. Em uma tarde de verão, a desconfiada Carol do Tinder, me perguntou despretensiosamente enquanto jogava levemente o cabelo para trás:
O que você gosta de fazer?
Engoli seco e pensei rapidamente em três coisas que não poderiam dar errado: “Amo cinema, viajar e ouvir música”. Ela brevemente respondeu: “eu também” e sorriu de canto.
Nas semanas seguintes, o questionamento feito por Carol permaneceu em minha mente se repetindo a todo instante, o sentimento era de que aquela resposta nada dizia sobre o que gosto de fazer. Procurando facilitar o processo empírico, acrescentei um “realmente” na questão: “o que eu realmente gosto de fazer?”, o que obviamente complicou mais ainda, a impressão é que seria mais fácil solucionar um cubo mágico com 12 lados.
A pergunta se tornou persecutória e passou a surgir em todos os momentos, no trabalho, na faculdade, no cursinho de final de semana, ao caminhar na rua, alguém sempre arranjava uma forma de encaixar a tal pergunta em uma conversa. Vieram os anos seguintes e com eles, novas perguntas capciosas:
“Quem é você?” “O que te define?” “O que fazer da vida?”
Em algum momento de nossas vidas, todos nós somos atormentados por essas perguntas. De fato é uma sensação horrível nos questionar inúmeras vezes sem conseguir obter uma resposta satisfatória, capaz de nos motivar a seguir em frente com ela.
Ao longo dos anos, todas essas perguntas me ajudaram a criar uma identidade de mim mesmo. Basicamente, um conjunto de crenças nas quais acredito que me definem. Sendo assim, toda vez que preciso tomar uma decisão, recorro a minha identidade para me ajudar.
Como quando eu não estava mais aguentando o curso de Marketing, mas não o larguei, porque “sempre que começo algo, termino“, quando me chamam para ir em uma balada country, e não fui porque “gosto mesmo é de música eletrônica“, quando dizem que eu poderia mudar uma atitude, mas não mudo, porque “sou assim mesmo.“
Hoje percebo que essas são questões naturais da vida em sociedade. Somos ensinados desde pequenos a acreditar que devemos ter um propósito bem definido de vida, que precisamos fazer coisas interessantes, gostar de coisas e desgostar de outras, conquistar méritos, ganhar prêmios e reconhecimentos, dessa forma, passamos a vida toda competindo com outras pessoas para ver “quem se sai melhor na vida”. O engraçado é que nós já sabemos como costumam chamar quem ousa remar contra essa maré, não é mesmo? – Os Fracassados ou doidos.
A prisão
Não há nada de errado em criar uma identidade, perseguir um sonho, se esforçar para ganhar méritos e entre outras atitudes citadas anteriormente. O problema é que toda essa preocupação em querer ser alguém na vida, nos torna infelizes. Muitas vezes, todos esses objetivos, sonhos e vontades não são nossos e sim, da sociedade em que vivemos, do mundo. Eles foram implantados em nossas mentes ao longo de toda vida.
Dessa maneira não paramos, nem por um segundo, para questionar se o que estamos fazendo com nossas vidas é genuíno, ou simplesmente estamos fazendo somente porque é uma obrigação, imposta lá atrás por nossos pais e a sociedade em geral, quando disseram para nós “você precisa ser alguém na vida”.
Seria o mesmo que viver dentro de um quarto escuro com poucos metros quadrados, nele só conseguimos ter ações limitadas, primeiro porque estamos presos em nossa identidade, que por sua vez não nos dá a liberdade de poder ser outra coisa, agir de outra forma no mundo. Segundo, porque não conseguimos ir além das paredes e enxergar o horizonte maravilhoso de possibilidades que a vida e o mundo oferece.
A medida em que todos os dias aprendemos coisas novas e descobrimos novos modos de ser no mundo, se torna impossível ser alguém na vida, visto que estamos sendo algo diferente todos os dias em todos os momentos. Se nos apegarmos a um único modo de ser, isso limitaria todas as outras possibilidades.
Você não precisa ser alguém na vida, porque você não precisa ser alguma coisa, você é livre para ser o que quiser. Quando finalmente aprendemos a pensar dessa forma, é possível nos livrar de todas as amarras que nos prendem em identidades limitadoras, impedindo de viver a vida como deve ser vivida – livre.