[dropcap] O [/dropcap] segundo turno está chegando e talvez você já tenha bem claro qual vai ser sua intenção de voto, ou talvez não.
Talvez você ainda esteja ponderando e espera ver alguns debates, ou quem sabe deixar para decidir no dia mesmo. Mas você já parou para pensar em como toma suas decisões? Como você chegou ou chegará em uma conclusão sobre um candidato e emitirá o comportamento de votar?
O Behaviorismo Radical é uma proposta do famoso psicólogo Skinner para buscar entender o nosso comportamento. Se chama radical porque busca encontrar a origem do comportamento. Por que alguém decidiu votar no candidato fulano de tal? Quais condições ambientais influenciam o sujeito a votar em tal candidato? Essas são algumas perguntas feitas pelos psicólogos que estudam o Behaviorismo Radical, que são chamados analistas do comportamento.
E foi justamente uma analista do comportamento que trouxemos aqui para elucidar algumas questões de como tomamos decisões e como nos comportamos nesse momento complexo. Convidamos a professora de Psicologia Comportamental e Experimental da Universidade Paulista UNIP, Julia Daher Fink, para conversar sobre o assunto.
As eleições 2018 sob o olhar da Psicologia Comportamental
Confira a transcrição da entrevista:
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Mundo Interpessoal: Sempre que uma grande eleição se aproxima, ainda mais uma como esta, tão polarizada e diferente, os eleitores passam meses em uma guerra psicológica corrente pelas redes sociais, nas empresas, nos grupos de amigos, na família, discutindo a respeito de propostas políticas, ideologias, políticos, direita, esquerda. E a medida que o dia da votação chega, é hora de tomar alguma decisão “consciente” nas urnas, quer dizer, era para ser assim não é mesmo? Basicamente, como a Psicologia comportamental explica nossas tomadas de decisões?
Julia: A primeira coisa importante que precisamos levar em conta é que decidir é um comportamento, como qualquer outro comportamento operante, ou seja, como qualquer outro comportamento sensível às consequências que são produzidas. Quando partimos desse pressuposto, a gente sai de um campo que dentro da filosofia há uma discussão muito grande: Existe um livre arbítrio no sentido de uma indeterminação completa da decisão? O que seria no caso a gente pensar na nossa decisão, como algo absolutamente inédito, original, alheio às questões que perpassam em nossa vida.
Considerar que decidir é um comportamento, é considerar que por ser um comportamento, ele tem algumas variáveis que são causadoras e mantenedoras desse comportamento. Basicamente o comportamento de decidir, tem sua origem e a sua manutenção delineadas nas histórias individuais de cada um de nós, e nas histórias dentro de nós, e dentro de determinadas culturas.
O aspecto físico do candidato, conteúdo programático, a topografia e a forma como esse candidato se coloca, o tipo de discurso que ele alavanca, todos esses caracteres afetam diferencialmente as pessoas nas tomadas de decisões. Eles são importantes, o fato de termos Haddad e Jair Bolsonaro como candidatos no segundo turno, e não outros candidatos, talvez seja por conta da nossa cultura, e como ela coloca essas características como importantes.
Mundo Interpessoal: Então esse comportamento já estaria pré determinado?
Julia: Não está predeterminada no sentido de imutabilidade. Quando a gente fala que um comportamento foi selecionado dentro de uma história, e ele é mantido dentro de uma história, a gente tem que pensar na história como um ente fluido. A história não é o passado, a história é o que passou e o que está acontecendo. Quando a gente fala da tomada de decisão, como qualquer outro comportamento, ele não é refém ou escravo de uma história, ele é um produto de uma história. A histórias individuais são bastante específicas, mas existe uma variável cultural que é bem relevante quando a gente fala em política.
Mundo Interpessoal: Neste sentido cultural, podemos falar da influência das redes sociais, da família, dos amigos, da televisão, da religião, do emprego, de praticamente tudo. Será que existe uma super-esfera social capaz de influenciar as pessoas, mais que todas as outras?
Julia: Eu acho que culturas que privilegiem determinados tipos de discurso, por exemplo, tem um discurso que eu acho que ele é muito comum e sempre aparece na história política do Brasil, que é o discurso da novidade.
O sistema político se apresenta como um sistema falido para boa parte da população, e quando se enxerga esse cenário político como falido, começa a ser deslumbrado com grande força um discurso pela novidade, ainda que essa novidade possa não representar de fato uma novidade, no caso seja apenas uma novidade estética.
Isso eu acho que não só está presente em um partido que se declara como novo, mas em um candidato que se coloca como novo por está disputando um candidatura presidencial, muito embora tenha uma trajetória política de décadas.
Não existe uma receita de bolo que diga: x, y e z são caracteres importantes, mas eu acho que a depender do momento político conjuntural, determinadas coisas surgem como importantes. O medo do comunismo é um fator importante, medo do conservadorismo, medo da crise econômica, etc, eu acho que esses medos elencam várias tomadas de decisões e sempre são relevantes porque é como se fosse um caldeirão onde emergem essas ideias que as pessoas replicam a cada discurso.
Mundo Interpessoal: Um estudo sobre o impacto da sensibilidade se sentimentos ideologia política sugere que as pessoas mais assustadas e com muitos estímulos aversivos, tendem a ter opiniões de direita. Ao contrário de pessoas impactadas com estímulos agradáveis, que dentem a ter um direcionamento mais de esquerda. Esse estudo sugere evidências consistentes de que as visões políticas estão ligadas a uma predisposições fisiológica. Como a psicologia comportamental pode interpretar esse fenômeno?
Julia: Eu não conheço esse estudo, mas tenho a impressão que esse cenário da motivação pelo medo, que é muito presente no discurso de direita, tem sido muito presente também no discurso de esquerda, especialmente no momento em que estamos agora.
Isso é muito típico de um contexto em que Slavoj Žižek chama de Ultra-política, que se trata de um contexto em que a gente tem um precário acesso a informação, no sentido do apego aos dados, a um conceito de verdade, ou pelo menos uma tentativa de se manter com alguma honestidade intelectual.
Quanto menos apego causal, quanto menos apego a conteúdo programático e histórico de fato de partidos e candidatos, mas a gente se deixa levar por afetos do tipo medo e angústia. Não é dizer que a gente não poderia sentir essas coisas, mas partir do pressuposto de que o medo é uma condição muito circunstancialmente importante para uma tomada de decisão, talvez seja um filhote de uma história em que a gente vai precarizando o debate político informado, ou seja, a gente despolitiza o debate político e ele fica viabilizado por via do afeto.
Mundo Interpessoal: Poderíamos dizer então, que seria um anticientificismo quando colocamos os afetos junto às decisões?
Não acho que o afeto não deve ser levado em conta, mas o problema seria tomar uma decisão inteiramente baseada no afeto, sem sequer perguntar qual é a origem, de onde está vindo esse afeto. A gente as vezes sente um afeto e pela falta de critério em relação a gente buscar informação, procurar dados que embasam nossa argumentação, a gente fica refém desse afeto de uma maneira perigosa.
Mundo Interpessoal: O candidato a presidência Jair Bolsonaro (PSL), segundo o jornal Folha de São Paulo, agora tem 37,5x mais tempo no horário eleitoral comparado ao primeiro turno e está apelando, assim como o Candidato Haddad (PT) ao discurso do medo. Entretanto, o candidato Jair Bolsonaro tem adotado uma estratégia de não comparecer aos debates eleitorais. O que caracteriza essa estratégia?
Julia: Jair Bolsonaro é um candidato que tem uma mobilização muito afastada do conteúdo programático. Se você pegar o plano de governo dele, pode observar que são propostas muito primárias na forma como são formuladas, além de ser poucas propostas, são mais uma descrição e observação de como eles enxergam o cenário atual e menos propositiva. Então, eu acho que talvez ele se esquive de contextos em que ele tenha que propor e dialogar sobre isso, porque justamente esse não é o caráter forte da campanha. Talvez o caráter forte da campanha seja o discurso messiânico baseado no medo que as pessoas sentem. Baseado no medo do PT, medo do comunismo, etc.
Mundo Interpessoal: Hoje é possível perceber que a televisão não é mais um fator importante na decisão das pessoas. Levando em consideração que as decisões são comportamentos afetados pelo ambiente, você acha que pela psicologia comportamental, houve uma mudança drástica de ambiente que afetou as decisões?
Julia: Eu acho que não só. Quando a gente fala do insucesso do PSDB na campanha eleitoral, (Partido que possuía mais tempo de campanha política na televisão) ele não foi proporcionado só pelo fracasso na campanha televisiva dele. Tem haver também com o próprio momento histórico do PSDB, mas concordo que a televisão tem tomado cada vez menos espaço. Podemos observar que Guilherme Boulos, na campanha televisiva dele, chama o público para conhecer suas propostas em seus canais na internet. Então isso já mostra para a gente que outros caminhos são esses.
E que são caminhos importantes de serem levados em conta porque eles de alguma forma desestabiliza a forma como o tempo de campanha é estruturado e financiamentos de campanha. Se você tem um ambiente que isso é razoavelmente mais independente, talvez você tenha a viabilização do acesso ao discurso mais fácil do que quando as pessoas possuíam como única referência a televisão.
Mundo Interpessoal Um estudo de 2008, analisou o feito da aparência dos candidatos na base neural do cérebro. Um dos resultados apontou que certos traços dos candidatos provocavam julgamentos de ameaça pessoal. Como a psicologia comportamental explica a influência da característica física dos candidatos na tomada de decisões?
Julia: Eu poderia dar um palpite que talvez a reação da nossa base neural a determinadas características físicas, também é selecionada na nossa história de vida. Por exemplo, Collor foi candidato a presidência em 1989, e se apresentava com um visual extremamente arrumado, cabelos penteado, e era um candidato bonito (como a mídia veiculava dessa forma) e concorria com o Lula, um candidato barbudo, com cara de sindicalista, e suas características próprias. Então é isso, eu não acho que existe uma disposição neural que que eu acredite e que a análise do comportamento acredite que faça com que a gente reaja diferencialmente sem levar em conta a nossa história. Não existe nada que faça alguém olhar para um cara que é barbudo e isso já desenvolva na gente uma repulsa no sentido inato. Eu acho que tem haver com uma construção histórica.
Mas com certeza caracteres físicos são importantes, quando pensamos na violência física extra candidatura, que é quando você começa a acompanhar as notícias e vê alguém que foi hostilizado porque estava com a camiseta do Jair Bolsonaro, ou alguém que foi morto porque estava com a camiseta vermelha, alguém que foi marcada com uma suástica nazista porque usava um adereço da campanha #EleNão. Isso tem haver com história, discriminação e generalização de estímulos.
Quando eu digo que a gente reage diferencialmente a uma figura x ou a y, eu acho que parte dessa reação diferencial não é só pública, ela é também privada. Eu reajo neurologicamente diferente, mas essa reação neurológica diferente também foi selecionada. Quando a gente fala na análise do comportamento que o indivíduo modifica o ambiente e é modificado também por esse ambiente, essa modificação que o ambiente produz sobre o indivíduo é em última instância uma motivação material desse indivíduo privado. Se um Skinneriano diz que não existe nenhuma natureza metafísica tanto fora quanto dentro do indivíduo, essa alteração não é uma alteração. É uma alteração do cérebro mesmo.
Assumir isso, é assumir que não existe nenhuma base que justifique o preconceito, mas também tem uma parte muito relevante disso tudo que é: se as coisas se transformam ao longo da história, elas podem ser alteradas. Não existe imutabilidade que o inatismo sobrepõe.
Mundo Interpessoal: Temos visto muitas pessoas rompendo relações por conta de questões políticas. Pessoas brigando com seus pais, familiares, amigos, sobre a questão Haddad e Jair Bolsonaro. Amizades desfeitas em época de eleição são reatadas? Como a Psicologia Comportamental pode explicar esse fenômeno?
Julia: Eu acho que é uma frustração que a gente tem em relação a pessoa que está veiculando uma proximidade com um candidato ou com outro. Eu acho que quando a gente desenvolve uma proximidade com alguém como uma mãe, irmã ou amigo, essa construção que eu vou tendo na minha relação com essa pessoa, vai colocando essa pessoa numa posição que tem uma relevância e que talvez seja isso que entre em conflito, ou seja, quando você percebe que essa pessoa faz parte da sua história e que é relevante para você em muitos sentidos discorda e tem um discurso muito diferente do seu.
Eu acho que isso faz com que talvez a gente tenha esse ímpeto inicial de afastamento.
Mundo Interpessoal: Seria um estímulo aversivo?
Julia: Isso, é quase como se a gente fosse punido. E acho que isso acontece dos dois lado. Como efeito de controle aversivo, acho que a gente consegue enxergar vários. Eu vejo amigos meus, até eu mesma, que são pessoas tendem a ser mais parcimoniosas nas colocações, sendo mais inflamadas nas colocações, que acho que tem haver com eliciação de resposta emocional. Eu acho que tem uma questão de contra-controle muito clara, que é disso de alguém te agredir e você agredir muito mais rapidamente que você faria em outros contextos. Tem um contexto de fuga, que é dessa coisa de cortar relações e acho que tem até uma coisa que acontece quase que como medida desesperada que eu acho que a gente deveria pensar em outras estratégias que é essa de você quase ameaçar a pessoa que você gosta. “Se você votar em fulano ou no Sicrano, nunca mais falo com você na minha vida” Isso é ruim porque você não está sensibilizando o outro do que você sente, você está ameaçando, e possivelmente você não vai dar conta de bancar isso, talvez nem deveria dar conta de bancar isso. Tenho a impressão que há um contexto de um controle aversivo de tudo que é lado.
Mundo Interpessoal: Agora a última pergunta, sobre sensibilização. Se a gente tem uma estratégia onde a gente tenta sensibilizar o outro a partir de um afeto que não seja o ódio, a gente teria que tentar despertar a empatia do outro. Como a Psicologia Comportamental poderia explicar o que é a empatia?
Julia: Essa é uma pergunta difícil, mas eu tendo a dizer que a empatia é um produto comportamental de uma relação em que a pessoa, a partir de um arranjo de contingências, é estimulada a se colocar em uma posição que não seja a dela. É quase como a gente tivesse que armar uma contingência social em que valesse menos você fazer um texto super aclamado no Facebook por mais odiento que ele seja, e que fosse mais aclamado socialmente você conseguir conversar com alguém que pensa diferente de você, conseguindo partilhar minimamente da sensibilidade desse sujeito. Eu acho que existe uma limitação na empatia, que é essa: Nós somos os únicos sujeitos sensíveis as próprias contingências da vida. Eu nunca vou saber exatamente o que você sente e você nunca vai saber exatamente o que eu sinto. Mas existem milhões de nuances sobre isso. Eu posso ser alguém que desrespeite em absoluto quem você é e eu posso ser alguém que me aproximo em um contínuo de entender qual é sua história, quem é você, como você chegou até aqui desse jeito que você é.
Então talvez a gente devesse armar contingências sociais em que isso seja mais reforçado positivamente do que enfim, veiculação de discurso de ódio. Por mais que eu acho que isso seja presente o tempo inteiro na campanha do Jair Bolsonaro, eu acho que a gente também responde dessa maneira. A minha estratégia, que não sei nem o quanto ela está sendo bem sucedida é um tanto descrever a minha história com essas pessoas, que estão totalmente motivadas pelo um antipetismo, qual é a incongruência afetiva que eu acho que há na construção histórica nessa relação com o afeto que está sendo propagado.
É quase como um: “Você me ensinou a ser sensível a injustiça, lembra quando aconteceu aquilo”, “lembra quando fulano da família falou para todo mundo que era homossexual, lembra como foi sua reação? A sua reação foi muito importante para mim quando era criança e aí quando eu vejo essa reação oposta partindo do seu discurso eu não consigo entender”
Mundo Interpessoal: A empatia então vai depender também da história do indivíduo, e aí se você não tem uma história que não te levou a perceber algumas coisas, você não consegue desenvolver essa visão.
Julia: Eu acho que não é que você não consegue desenvolver, porque ele é mutável. A parte boa é que a gente consegue ensinar as pessoas a serem empáticas e a parte ruim é que existem determinados contextos e histórias em que a pessoa é punida por ser empática em relação ao outro, talvez seja muito mais difícil instalar e desenvolver um repertório nesse último caso.