Como construímos a realidade baseada em diálogos com nós mesmos, criando uma narrativa, às vezes bem deturpada.


Inúmeros teóricos ao longo do tempo tentaram interpretar e entender o que de fato é essa realidade que nos cerca. Realidade essa, que alguns inevitavelmente a chamam de cruel e triste ou dependendo da realidade: Amável e confortável.

Em uma perspectiva filosófica, mais precisamente sobre o olhar de Platão, existe um mundo de formas perfeitas e tudo o que enxergamos são sombras dessas formas, imitações da coisa real. Arcaico, não? Naquela época certamente essa ideia foi empolgante. Mas quem se empolgou mesmo foi George Berkeley, que um dia disse que absolutamente tudo existe só na nossa cabeça (idealismo), mas logo calou-se quando alguém resolveu desafiá-lo chutando uma pedra em sua direção enquanto ele estava de olhos fechados.

Há quem diga que não existe passado nem futuro, apenas o presente (presentismo). Também quem diga que as coisas só existem quando são observadas (fenomenalismo) e para não me estender muito, há ainda aqueles que afirmam com toda a certeza que a única coisa que existe é a nossa mente (solipsismo), ou seja, todo o resto – incluindo as demais pessoas, árvores, móveis etc – são criações da mente.

Sabe o que todas essas ideias têm em comum?

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A Narrativa.

A narrativa é a mãe de todas a ideias, sem ela, não poderíamos narrar obviamente uma história, muito menos contar como chegamos a conclusão de uma teoria da realidade, é preciso expor acontecimentos, encadear, imaginar, supor, preve, esperar…

O problema da narrativa é que ela pode nos “enganar”, assim como fez com Platão, o fazendo chegar a conclusão de que o mundo é feito de formas perfeitas.

Nossos sentimentos oscilam o tempo todo porque estamos narrando o tempo todo. Como quando começamos a sofrer por uma mensagem do WhatsApp, ou ficar irritado com algo que não deu certo, alguém que chegou atrasado, ou um alívio inesperado. Tudo faz parte da narrativa interna que construímos. Pequenos diálogos com nós mesmos que criam a realidade.

Para nos ajudar visualizar, podemos usar o conceito Budista de originação dependente, que é constituída por alguns elos, entre eles o desejo, o gostar/não gostar, as circunstâncias da vida, visão de mundo entre outros, que juntos criam uma realidade particular de cada um.

Isso quer dizer que não existe uma realidade fixa, imutável, logo, podemos interpretar as situações da vida de várias formas diferentes.

A seguir vamos ver como podemos colocar isso na prática para levar a vida que queremos levar.

A prática

Se você chegou até aqui significa que você está com a mente aberta para descobrir algo novo, ou, quem sabe, só quer ver onde isso vai dar. Olha! – mais uma narrativa.

Vamos imaginar que existe um escritor de narrativas muito ciumento trabalhando em nossa mente, logo ele vai criar muitas narrativas que envolvam ciúmes.

Se o escritor não for necessariamente invejoso, mas se naquele momento, um dos elos do desejo, o gostar/não gostar, as circunstâncias da vida e visão de mundo o fizerem sentir inveja, ele certamente vai construir uma narrativa que esconde um sentimento de inveja, porque obviamente não vai deixar isso explícito.

Isso é tão amplo, que se pararmos para pensar, não existe um sentimento de “ciúmes”, ou “inveja”. São apenas palavras simples e rasas que usamos para nomear mais de 1 bilhão de coisas que estamos sentindo ao mesmo tempo.

Tudo o que temos que fazer é questionar a nossa narrativa. Nos perguntar como chegamos a tal conclusão. Isso pode parecer simples, mas é poderosíssimo.

Você fez algo no passado e hoje se arrepende ou acha graça? Pois é, a única coisa que mudou foi a narrativa. Hoje foi você pensa diferente, logo agiria de forma diferente.

Não estou falando sobre ver o copo meio cheio ou meio vazio, estou falando de contemplar a realidade e não se deixar levar pela originação dependente, assim, considerando mais informações para formar a realidade, descobrindo novos caminhos para enxergar uma situação.

Isso significa que não precisamos ver a realidade como algo congelado e fixo. A frase “É impossível falar com ele porque ele nunca vai me entender” é totalmente enganosa. A narrativa pode fazer com que amanhã ou daqui a um ano ele adquira base para te entender, assim como você também pode adquirir repertório para se fazer entender.

Essa ideia de analisar nossas próprias narrativas é muito legal porque é uma forma simples de conseguir enxergar nossos próprios enganos de interpretação da realidade.

“Eu estou com raiva do meu amigo porque ele foi passear e não me chamou porque não gosta de mim”

Ainda bem que esse escritor não tem controle total do que quer fazer, nós podemos dar alguns toques para fazê-lo perceber como seu desejo, o gostar/não gostar, as circunstâncias da vida e visão de mundo estão o enganando.

…Possibilitando reescrever:

“Meu amigo foi passear e espero que tenha sido legal”