É assustador a quantidade de pessoas que tem certeza das coisas. Podemos facilmente entrar em uma conversa com alguém e começar a falar sobre visão de mundo que certamente em um momento ou outro vamos nos deparar com uma crença cristalizada de que algo para ela é verdade e ponto final.

Normalmente são pessoas escolhem ignorar uma série de fatos em prol de manter sua crença. É extremamente raro encontrar alguém que esteja disposto a aceitar novos fatos que sejam capazes de atualizar uma crença.

Isso é muito comum porque nós somos nossas crenças, nossa identidade é constituída por aquilo que acreditamos e assim nos movemos no mundo. É como se fossemos um software cujo algoritmo é feito de crenças e isso o faz funcionar.

Agora, quando nossas crenças são confrontadas ocorre uma desestabilização no software e isso gera um incômodo que pode ser traduzido em muitos sentimentos, como vergonha, medo, inveja, e entre outros que não sabemos nomear. Por isso muito preferem o conforto de manter uma crença sem questioná-la.

Esse fenômeno está diretamente ligado com a auto-enganação. Em O Ser e o Nada (1943), o filósofo Jean-Paul Sartre invoca o conceito de “la mauvaise”, ou má fé, para explicar o auto-engano. Ele argumenta que muitas pessoas têm medo de se confrontar, preferindo seguir normas prescritas e cumprir papéis pré-determinados, em vez de lutar pela auto-realização.

Ele ilustra a má fé com alguns exemplos: a reação hesitante de uma mulher aos avanços de um homem, a auto-identificação de um garçom como “nada mais” do que um garçom, a falta de vontade de um homossexual em reconhecer sua sexualidade. Essas estratégias de adiamento e deturpação permitem que a pessoa esconda sua verdadeira natureza até de si mesma.

Sartre considera deplorável esse modo de vida, pois, embora tais estratégias possam servir como mecanismos eficazes de enfrentamento a curto prazo, no longo prazo elas são existencialmente paralisadoras.

Assim, um importante ensinamento Budista pode nos ajudar a entender que existem uma quantidade inúmera de fatores que podem influenciar um fato.

Os 5 agregados

Para os Budistas, os seres humanos são compostos por 5 agregados, que são:

  1. Forma material: Compreende tudo o que denominamos “matéria”. Desse modo, estão incluídos no agregado o cinco órgãos do sistema nervoso, o celular ou computador que você está lendo isso e todo mundo exterior.
  2. Sensação: Incluem-se neste grupo as sensações oriundas dos órgãos de sentido. Elas podem ser prazerosas, desagradáveis ou neutras.
  3. Percepção: Relativo ao reconhecimento e identificação de um objeto com base nas sensações.
  4. Formação mental: Todos os tipos de hábitos mentais, pensamentos, ideias, opiniões, preconceitos, compulsões e decisões.
  5. Consciência: É a resposta ou reação dos órgãos de sentido diante de um objeto. Como exemplo, a consciência auditiva compreende o ouvido como base e o som como objeto

Os 5 agregados diz que todos nós experienciamos o mundo através da forma material, que inclui nosso corpo e cada um possui uma sensação, isto é, percebe o mundo de uma forma diferente e assim cria uma formação mental que inclui as crenças e isso se constitui a consciência, que sempre vai ser diferente de outras.

Ainda podemos traduzir os 5 agregados em três frentes, a primeira é que não podemos ter certeza de nada porque possuímos a limitação do nosso próprio corpo e mente, ou seja, não podemos saber a origem do universo, ou provar se D-us existe porque existe uma limitação de recursos para isso.

A segunda frente é que cada um de nós possui a própria experiência dos 5 agregados, então é impossível que duas pessoas experienciem a mesma percepção de um horizonte, cada um vai ver e perceber de uma forma diferente.

A terceira é que existe uma multiplicidade de realidades-percepção onde é impossível que um ser-humano consiga considerar todos os fatores para poder cravar que algo é um fato final.

Como tudo na vida, essa forma de pensar também exige um caminho do meio. Não podemos duvidar de coisas absolutamente essenciais, como por exemplo de que a terra é redonda, coisa que essas duas terraplanistas não reconhecem:

Quanto ao resto de nossas crenças, o ideal seria assumir uma postura de não ter uma crença final, de aceitar que é impossível considerar todos os fatos possíveis e imagináveis para pode afirmar algo como sendo definitivo e último. Ser esse tipo de pessoa, significa estar sendo alguém e nunca ser definitivamente.

A foto que ilustra esse texto é do fotógrafo Francês Gilbert Garcin.