Essa semana fui ao cinema assistir o filme A Star Is Born, estrelado por Lady Gaga e Bradley Cooper (que apaixonei desde que acompanhei a série Alias – Codinome Perigo), e fiquei encantado com o poder que a música tem de tocar nossos sentimentos e trazer novas ideias para nossa vida. Meu amigo Roberto caiu em lágrimas junto com várias pessoas dentro da sala do cinema, foi maravilhoso.


Mais tarde conversando com esse mesmo amigo sobre o filme, acabamos criando dois conceitos sobre músicas, que podem nos ajudar a entender a reflexão que está por vir:

Músicas Vidya

Vidya é um termo em sânscrito que significa sabedoria, visão, lucidez, nesse sentido, as músicas vidya possuem a capacidade de aumentar nosso repertório de raciocínio e visão de mundo, ou seja, são canções que possuem um significado que caminhe para um discurso crítico, filosófico, lúcido e potencialmente “transcendente.”

Músicas Avidya

Avidya é o oposto de vidya, que significa perca da visão ou falta de sabedoria. Nesse sentido, músicas avidya são caracterizadas por possuir um significado raso e superficial. Estão em um estágio anterior de se tornar uma música vidya e estimula comportamentos “passivos” como vamos ver mais adiante.

O que se entende por inteligência?

² Reflete a capacidade mental relacionada à mais profunda capacidade para compreender o ambiente que nos rodeia e envolve as habilidades de lidar com a complexidade, a aprender e a evitar erros. Nesse sentido, podemos conceber que músicas vidya possuem muitos requisitos e potencial para aumentar nossa inteligência.

Sei que pode parecer estranho e preconceituoso dizer que uma música é mais inteligente que outra, eu mesmo era totalmente contra esse raciocínio, porém o fato é que músicas vidya são pouco conhecidas justamente por essa dificuldade que as pessoas sentem para acessá-las. Seria preciso estar em um momento de vida adequado para entender o significado e fazer sentido.

Em contrapartida as músicas avidya são extremamente populares e estão na ponta da língua de quem quiser cantar, justamente por ser fácil de acessar, logo a maioria entende a mensagem e por conta do momento de vida, faz sentido e se torna parte do ambiente normal.

Vamos aos exemplos:

Música Vidya

“Olho vagarosa ao redor
Que raro, brecha pra enxergar
Mesmo sem conseguir brecar
O que não se vê ainda está lá
Fardo pesado de carregar
Essa coisa do aparentar
Nesse corre-corre, nem dá tempo de olhar
Mas a vida interna abre pra outro lugar”

Música Avidya 

“Cheguei (cheguei)
Cheguei chegando, bagunçando a zorra toda
E que se dane, eu quero mais é que se exploda
Porque ninguém vai estragar meu dia
Avisa lá, pode falar”

A ideia aqui não é dizer que existem músicas melhores que outras. O sentido é colocar em pauta a questão de que existem músicas com o poder de retirar nossa mente do status quo e aumentar o repertório de reflexão.

Na verdade qualquer música tem o poder de mexer com nossos sentimentos e ideias, porém a música vidya poderia entrar mais nas playlists para estimular o senso crítico e reflexão sobre nossa vida e sentimentos que nos fazem parte. Claro que é possível fazer isso com qualquer música, porém músicas avidya possuem uma limitação bem pontual.

Observe que o foco da questão aqui não é a sonoridade e sim a letra da música. Estamos falando da ideia inicial que foi empregada na letra. Inclusive, o filme mencionado no início do texto critica a indústria musical, que força os cantores a produzir músicas populares para fazer mais sucesso e propositalmente vender mais shows, álbuns, etc. Assim, os compositores muitas vezes deixam de colocar na letra um sentimento mais profundo e elaborado, com medo de alcançar poucas pessoas.

“Tá, mas eu conheço músicas super famosas que tem letras lindas!” Simm, isso é totalmente possível, mas não confunda “letras lindas” com “letras lindas e pouco lúcidas” como são as letras de algumas das composições da Marília Mendonça. Exemplos no texto: 6 lições sobre relacionamento que Marília Mendonça NÃO me ensinou

Talvez nós possamos fazer uma crítica em cima de um conceito criado pelo psicólogo Frederic Skinner chamado de ¹ empobrecimento de repertório comportamental

Se trata de um fenômeno muito comum em nossa sociedade, causado pela especialização e restrição das nossas ações. Alguns fatores que estão dentro do conceito e que segundo Skinner, contribuem com o empobrecimento do repertório comportamental:

Assistencialismo: Quando alguém recebe uma ajuda sendo que teria plena condições de fazer por si próprio.

O comportamento por regras:  Quando as pessoas fazem coisas apenas porque se disse a elas para o fazerem, como se fossem conselhos.

Comportamentos “passivos”: Quando alguém tem contato com muitas consequências imediatas prazerosas: coisas atraentes, cativantes, curiosas, divertidas, gostosas e encantadoras são produzidas e cobiçadas como objetos de diversão, mas elas reforçam pouco mais do que olhar, saborear, assistir, ler e ouvir. (Facebook)

Claro que esse conceito é muito maior e complexo, mas a ideia principal é essa. Sendo assim, quando alguém por diversos fatores escuta somente músicas avidya e conhece pouquíssimas músicas vidya, este, possui uma fonte a menos para estimular o repertório de pensamento crítico sobre sua própria vida, logo tem uma tendência a empobrecer seu repertório e diminui suas possibilidades de se mover no mundo, é o que Skinner chamou de empobrecimento de repertório comportamental.

Mais uma vez, não estou tirando o mérito da música avidya, claro que ela possui funções tão importantes quanto músicas vidya. A questão que gostaria de deixar é: Hoje você ouviu alguma música que te fez pensar na vida e sentimentos que fazem parte dela?

Playlists:

Preparamos duas playlists colaborativas. Uma para o momento quando queremos refletir e adquirir um pouco mais de repertório (vidya) e outra para aqueles momentos quando queremos apenas nos divertir/entreter despretensiosamente (avidya).

Músicas vidya

Músicas avidya

Fontes:

¹ Livro: A Depressão como Fenômeno Cultural da Sociedade Pós-moderna – Parte I: Um Ensaio Analítico-Comportamental dos Nossos Tempos/ Yara Nico. – São Paulo, 2015. 112p. Outros autores: Jan Luiz Leonardi e Larissa Zeggio

² Schelini, P. W. (2006). Teoria das inteligências fluida e cristalizada: início e evolução. Estudos de Psicologia (Natal), 11(3), 323-332. http://dx.doi.org/10.1590/S1413294X2006000300010. Gottfredson, L. S. Mainstream science on intelligence: an editorial with 52 signatories, history, and bibliography. Intelligence 24, 13–23 (1997).