Uma proposta para refletirmos e descobrirmos o que está implícito nas fotos de protestos e não usá-las somente como elementos de ilustração.


Os recentes protestos no Chile, motivados por uma série de insatisfações da população, proporcionaram sequências de fotos e vídeos muito marcantes, que mostram cenas de violência, incontentamento, revolta, abuso de poder, indignação, e ilustraram jornais do mundo todo.

É muito comum vermos notícias sobre protestos em sites ou jornais, onde sempre tem uma foto muito marcante ilustrando o texto, com uma legenda bem pequenininha embaixo da foto, dizendo algo do tipo: “Estudantes protestam contra fechamento de escolas.”

Para a historiadora lilia Schwarcz, as imagens são como documentos, que produz representações, costumes e percepções, que implicitamente podemos encontrar concepções políticas, sociológicas, semióticas e estéticas.

De fato, imagens de protestos chamam muita a atenção, porque todos esses componentes citados por Lilia, estão emergidos, tornando mais fácil perceber e tocar os elementos da narrativa que a imagem está trazendo.

Em seu artigo publicado em 2014 chamado “LENDO E AGENCIANDO IMAGENS: O REI, A NATUREZA E SEUS BELOS NATURAIS”, Lilia, nos questiona se interpretamos as imagens ou só as usamos como recurso de exposição?

É uma crítica direta ao fenômeno que se tornou comum, de usar imagens apenas para “Ilustrar e enfeitar” textos, livros, notícias, powerpoints, ou qualquer outro veículo que use imagens para completar uma narrativa.

Está na hora de lermos a imagens, no sentido paralelo ao que “destrinchamos um documento amarrotado, um texto clássico, um documento cartorial, uma notícia de jornal.”

lilia Schwarcz

Para exemplificar essa problematização, retirei um trecho do texto “Políticas de branqueamento no passado e no presente“, que Lilia postou no Jornal “Nexo.”

“Nela, uma senhora negra, localizada mais à esquerda da tela, olha para os céus em claro sinal de milagre; ela há de ser a avó do rebento que é o motivo central da pintura. No lado direito, um homem – representado como um português, por conta de sua cor branca, bigodes e chinelos, olha para a sua “cria” e sorri. No centro está a mãe de traços menos pronunciados, cabelos presos em coque, dedo apontado para a frente, e olhando para seu filho, no colo. Ele é branco, de olhos azuis e cabelos quase lisos!”

Modesto Brocos. Redenção de Cã. 1895

“A pintura remete ao evento bíblico, em que Can, o caçula dos filhos de Noé, por ter zombado de seu pai, quando estava ébrio, teria sido condenado a errar pelo mundo. Ele representaria, também, a raça negra, que, desde então, foi “obrigada” à saga do nomadismo. Nesse caso, no entanto, a “verdadeira redenção” remete ao fato de que os negros viravam brancos e passavam a constituir “famílias estáveis”. A mensagem era sutil, mas nem tanto: basta observar a diferença entre o solo onde pisa o pai, todo pavimentado, e o chão de terra onde aparece disposta a avó. Também chama atenção como ele veste sapatos (que no Brasil se converteram em símbolo de liberdade) e ela está descalça. E ainda: o pai tem como fundo uma moradia (construída) e a avó uma palmeira, que alude apenas à natureza do país. Ele estaria para a “civilização” na mesma medida em que ela continuava a viver na “barbárie”. Já Lacerda defendeu no Congresso de Londres exatamente essa tese: o Brasil seria branco no espaço de três gerações! Por isso, a mãe aponta para o futuro e a criança traz nas mãos uma laranja tropical e não uma maçã europeia, como Eva. A tela remete ainda ao tema clássico do “milagre” do nascimento de Cristo numa manjedoura, agora ambientado em nosso país.”


A obra de arte está infectada de outra arte

Andy Warhol,

Essa prática, que podemos chamar de “olhar mais de perto” não se restringe somente a pinturas, podemos fazer com fotos de protestos, por exemplo.

20 Fotos de protestos ao redor do mundo

Brasil, 2015. Estudantes protestam contra fechamento de escolas.
Vancouver, 2011. O protesto começou porque um time de hóquei de Vancouver perdeu a final do campeonato. Milhares de pessoas quebraram a cidade, o prejuízo estimado foi de 5 milhões, 150 pessoas feridas, quase mil presas e processadas.

Notícia: https://veja.abril.com.br/mundo/casal-flagrado-se-beijando-em-meio-a-confrontos-e-identificado/

Bruxelas, 2009. Os fazendeiros pressionam os ministros da União Europeia por mais subsídios para enfrentar uma crise no preço do leite.

Notícia: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/produtores-europeus-de-leite-protestam-216004/

Carolina do Sul, 2015. Uma Americana escala o mastro e retira a bandeira Confederada da frente da assembléia legislativa da Carolina do Sul. Bandeira da época da guerra civil é considerada um símbolo racista.

Notícia: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/bandeira-confederada-e-removida-do-capitolio-da-carolina-do-sul.html

Santiago, 2016. Estudantes protestavam contra mudanças no sistema de educação que iriam encarecer mais o ensino superior.

Notícia: https://br.sputniknews.com/sociedade/201607065463718-chile-estudantes-protestos/

São Paulo, 2015. Estudantes protestam contra a reforma do ensino.

Notícia: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/10/estudantes-bloqueiam-faixas-da-av-paulista-em-protesto-contra-reforma.html

Macedonia 2016. Uma manifestante aproveita o escudo do policial pra retocar o batom

Notícia: https://pt.euronews.com/2016/06/21/macedonia-protesto-colorido-exige-demissao-do-presidente-em-skopje

Suécia, 2016 – A ativista Tess Asplund enfrentou de punho cerrado 300 neonazistas

Notítica: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/11/protesto-neonazista-acaba-com-2-feridos-e-5-detidos-em-estocolmo.html

Baton Rouge, 2016. Depois da morte de 2 jovens negros assassinados pela polícia. Ieshia Evans, uma enfermeira, se recusou a sair da rua e calmamente esperou os policiais. Foi presa, libertada no dia seguinte, e não foi acusada nem processada.

Notícia: https://exame.abril.com.br/mundo/a-historia-por-tras-da-foto-simbolo-dos-protestos-nos-eua/

Rio de Janeiro, 2013. Professora discutindo com policiais após se quase atingida por uma bomba. Fábio Motta, fotógrafo que registrou a cena conversou com ela após o ocorrido e perguntou o que ela disse para os policiais naquele momento e ela respondeu: “Vocês querem me bater? Pode bater, estou aqui”

Notícia: http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=21153

Chile, 2019

Notícia: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/10/20/entenda-a-onda-de-protestos-no-chile.ghtml

São Paulo, 2017. Manifestante faz gesto de resistência em frente a uma barricada com fogo.

Informações: https://pt.wikipedia.org/wiki/Greve_geral_no_Brasil_em_2017

Acampamento Terra Livre, 2017

Informações: http://apib.info/2017/04/24/acampamento-terra-livre-2017-e-a-maior-mobilizacao-indigena-da-historia/

Ferguson, EUA. Depois que um policial branco foi declarado inocente da morte de um adolescente negro em Ferguson, no Missouri, protestos explodiram por todo o país.

Notícia: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/11/ferguson-nos-eua-tem-nova-onda-de-violencia.html

Faixa de Gaza, 2011. Palestino em cadeira de rodas lança pedras na Faixa de Gaza em 11 de maio de 2011.

Notícia: https://oglobo.globo.com/mundo/confrontos-em-protestos-entre-gaza-israel-deixam-58-palestinos-mortos-22680170

Polônia, 2019. Um garoto católico de 15 anos levanta um crucifixo em frente a uma marcha pró-igualdade LGBTQ+

Notícia: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591573-polonia-protestos-contra-o-bispo-de-cracovia-lgbt-nova-peste-a-conferencia-episcopal-respeito-pelos-gays-mas-nao-pode-levar-a-aceitacao-da-ideologia

Rio de Janeiro, 2014, Garis do Rio de Janeiro ficaram 8 dias em greve, reivindicando aumento salarial.

Notícia: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/greve-dos-garis-termina-no-rio.html

Chile, 2019

Fontes:

http://www.scielo.br/pdf/sant/v4n2/2238-3875-sant-04-02-0391.pdf

https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2019/Pol%C3%ADticas-de-branqueamento-no-passado-e-no-presente

-https://twitter.com/gabibianco/status/1188200340719620097