Se você chegou até aqui, provavelmente já ouviu falar no criador de poetas, Fernando Pessoa. Então, sem muitas apresentações, conheça 10 poemas escritos por Fernando Pessoa, que, de certa forma, falam sobre a vida.

Palavras do pórtico

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso; viver não é preciso.”
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça.

Fernando Pessoa

XI

Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela E oculta mão colora alguém em mim. Pus a alma no nexo de perdê-la E o meu princípio floresceu em Fim.

Que importa o tédio que dentro em mim gela,

E o leve Outono, e as galas, e o marfim, E a congruência da alma que se vela Com os sonhados pálios de cetim?

Disperso… E a hora como um leque fecha-se…

Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar…

O tédio? A mágoa? A vida? O sonho? Deixa-se…

E, abrindo as asas sobre Renovar, A erma sombra do voo começado Pestaneja no campo abandonado…

Fernando Pessoa
Fernando Pessoa

[Súbita mão de algum fantasma oculto]

SÚBITA mão de algum fantasma oculto Entre as dobras da noite e do meu sono Sacode-me e eu acordo, e no abandono Da noite não enxergo gesto ou vulto.

Mas um terror antigo, que insepulto Trago no coração, como de um trono Desce e se afirma meu senhor e dono Sem ordem, sem meneio e sem insulto.

E eu sinto a minha vida de repente Presa por uma corda de Inconsciente A qualquer mão noturna que me guia.

Sinto que sou ninguém salvo uma sombra

De um vulto que não vejo e que me assombra,

E em nada existo como a treva fria.

Fernando Pessoa

[Ela canta, pobre ceifeira,]

ELA CANTA, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah! poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa

[Dorme, que a vida é nada!]

DORME, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.

Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.

Melhor entre onde os ramos
Tecem dosséis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos.

Fernando Pessoa

Quadras ao gosto popular (trecho)

A VIDA É um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém se cura
E morrer é que é ter alta.

Fernando Pessoa

[Quem me dera eu fosse o pó da estrada]

QUEM ME DERA que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando…

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que a lavadeiras estivessem à minha beira…

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo…

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse…

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena…

Fernando Pessoa

[Segue o teu destino,]

SEGUE o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade Sempre
é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Fernando Pessoa

[Mas eu, alheio sempre, sempre entrando]

MAS EU, alheio sempre, sempre entrando
O mais íntimo ser da minha vida,
Vou dentro em mim a sombra procurando.

Fernando Pessoa

[Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar,]

AQUI NA ORLA da praia, mudo e contente do mar,
Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,
Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Por isso na orla morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer muito antes de ter vivido.

Deem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;
Deem-me um vago amor de quanto nunca terei,
Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.

Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

Para ouvir…